A 29 de maio de 1985, o jogo viveu um dos seus momentos mais sombrios. Em Bruxelas, antes do início da final da Taça dos Campeões Europeus entre a Juventus e o Liverpool, 39 pessoas morreram esmagadas contra o muro
O Liverpool era o campeão inglês e europeu em título. Já a Juventus detinha o estatuto de melhor equipa italiana e tinha vencido a última Taça das Taças.
A expectativa era enorme, toda a Europa estava presa no pequeno ecrã. Mais de 58 mil espectadores distribuíram-se pelo Estádio Heysel, em Bruxelas, com cada clube a ter cerca de 25 mil adeptos no local, enquanto o restante público ocupava a chamada zona neutra.
No entanto, a escolha revelou-se fatal. Heysel tinha mais de 50 anos, estava degradado e com falta de manutenção, além das várias falhas de segurança que se podem apontar às autoridades. Apesar dos dirigentes de ambos os clubes terem alertado a UEFA para o mau estado da infraestrutura e pedido inclusive a mudança de local para o grande jogo, os apelos não foram atendidos.
A tensão era palpável horas antes do pontapé de saída. 364 dias antes da tragédia de Heysel, o Liverpool tinha disputado e vencido a final da Taça dos Campeões Europeus diante da Roma, no Estádio Olímpico (1-1, com golos de Phil Neal, aos 13 minutos, e Roberto Pruzzo, aos 42; 4-2 no prolongamento). Já a 16 de maio de 1984, a Juventus vencera o FC Porto na final da Taça dos Clubes Vencedores das Taças, por 2-1, no St. Jakob Stadium, de Basileia. Beniamino Viglona inaugurou o marcador aos 12, António Sousa empatou aos 29, mas o polaco Zbigniew Boniek desfez definitivamente a igualdadae aos 41.
Prelúdio para a tragédia
Nessa final da Taça dos Campeões em Itália, que se tornou extremamente tensa e dramática, o Liverpool enfrentou uma atmosfera hostil e a forte pressão dos adeptos transalpinos, uma vez que a Roma jogava em casa. Os Reds acabariam por conquistar assim o seu quarto título europeu.
A noite após o jogo em Roma intensificou a animosidade em relação aos adeptos italianos e criou um sentimento de injustiça e desejo de vingança. Rumores sobre uma possível retaliação por parte dos adeptos do Liverpool circularam durante meses e o ambiente em Bruxelas, onde se realizaria a final entre Liverpool e Juventus, parecia à beira de escalar de forma grave.
Today, we pause to remember the 39 supporters who tragically lost their lives at Heysel Stadium, 40 years ago.
In memory and friendship – In Memoria e Amicizia.
Rest in peace.
You’ll Never Walk Alone. ❤️ pic.twitter.com/7FYvvJeDXa
— Empire of the Kop (@empireofthekop) May 29, 2025
O fatídico setor Z
Em Bruxelas, a tensão aproximava-se do seu nível máximo. Os adeptos de ambas as equipas carregavam o peso de confrontos anteriores e as memórias de Roma em 1984 deixaram marca profunda no comportamento e no estado de espírito dos britânicos. Essa carga emocional, juntamente com a má organização e as medidas de segurança inadequadas, criou as condições para a tragédia que se seguiria.
No dia do jogo, os adeptos concentraram-se pela cidade, e o álcool e as provocações potenciaram essa tensão já latente. Os organizadores decidiram colocar a zona neutra (setor Z) entre as duas fações de adeptos, mas a maioria dos bilhetes para o setor foi comprada por adeptos da Juventus, principalmente da comunidade italiana na Bélgica.
Cerca de uma hora antes do início do jogo, os confrontos verbais e físicos intensificaram-se nos setores X e Z, onde os adeptos do Liverpool romperam a frágil vedação e avançaram para a zona neutra, repleta de adeptos da Juventus. Em pânico, centenas de pessoas tentaram fugir, mas depararam-se com um muro de betão que lhes impediu a fuga.
Sob a pressão da multidão, o muro cedeu e desabou, e muitas pessoas foram esmagadas ou pisadas.
As consequências foram trágicas: 39 pessoas morreram, dos quais 32 italianos, quatro belgas, dois franceses e um norte-irlandês, e outras 600 ficaram feridas. Entre as vítimas estavam crianças, mulheres e espectadores neutros.
Liverpool FC remembers the 39 football fans who lost their lives at Heysel Stadium, 40 years ago today. Our thoughts are with all those affected by the tragedy. pic.twitter.com/DN1RLcphQr
— Liverpool FC (@LFC) May 29, 2025
O medo das autoridades em cancelar o jogo
Apesar dos pedidos da Juventus para cancelar o jogo, a UEFA e as autoridades belgas decidiram que a final deveria ser disputada, temendo distúrbios e caos ainda maiores caso isso não acontecesse.
Os jogadores entraram em campo visivelmente abalados e o jogo terminou com a vitória da Juventus por 1-0, com um golo do francês Michel Platini, de penálti. Era o primeiro troféu de campeão europeu da Vecchia Signora.
Mas não houve lugar a festejos. O futebol nesse dia foi a coisa menos importante do mundo, totalmente envolto pelo trágico incidente.
A responsabilidade pela catástrofe foi dividida entre os hooligans ingleses, a má organização, a resposta inadequada da polícia e o estado deplorável do estádio.
A UEFA tomou uma decisão histórica imediatamente após o incidente: todos os clubes ingleses foram banidos das competições europeias por tempo indeterminado, mais tarde definido em cinco anos. A punição do Liverpool foi prolongada para seis anos, embora mais tarde tenha sido reduzida para cinco.
40 anni fa, la tragedia dell’Heysel.
— JuventusFC (@juventusfc) May 29, 2025
Prisão para 14 adeptos do Liverpool e ponto de viragem no futebol europeu
Um tribunal belga condenou 14 adeptos do Liverpool por homicídio involuntário, com três anos de prisão, dos quais cumpriram um. Alguns polícias e dirigentes de futebol belgas também foram punidos por falhas na organização e segurança.
Heysel marcou um ponto de viragem no futebol europeu e inglês. Seguiram-se a modernização dos estádios, regras de segurança mais rigorosas, a separação de adeptos e a proibição de álcool nas bancadas. A tragédia, juntamente com o posterior desastre de Hillsborough, levou a reformas que tornaram os estádios mais seguros e gradualmente afastaram o hooliganismo dos campos de futebol.
Hoje, décadas depois, Heysel permanece um símbolo dos perigos do hooliganismo, da má organização e da negligência com a segurança dos espetadores. As famílias das vítimas e os sobreviventes ainda carregam as feridas desse dia, e tanto Juventus como Liverpool prestam regularmente homenagem aos mortos, lembrando que o futebol nunca deve ser mais importante do que a vida humana.