Antigo médio internacional inglês festeja hoje 58 anos. A BOLA conta-lhe uma vida cheia de peripécias e excessos em alguns parágrafos
Paul Gascoigne celebra hoje 58 anos de vida. Um verdadeiro joker, tratado carinhosamente por Gazza pelos amigos é uma das figuras mais carismáticas da história do futebol inglês, marcando sobretudo as décadas 80 e 90. A esse carisma, o antigo médio internacional inglês juntou uma relação de dependência com o álcool que o impediu de voar mais alto na sua carreira.
Gazza reuniu talento puro, drama pessoal e um sentido de humor por vezes caótico durante a sua passagem pelos relvados, construindo uma aura que ultrapassou definitivamente os seus limites. A alcunha nasceu em Gateshead, no nordeste de Inglaterra, onde, como recordou certa vez, ninguém o tratava por outro nome: «Toda a gente me chamou Gazza desde miúdo. Era o jeito deles lá em cima. Ninguém dizia Paul, era sempre Gazza.» Pegou e passou a representar um dos jogadores mais geniais e imprevisíveis que o futebol britânico viu nascer.
Paul Gascoigne brilhou em clubes como o Newcastle, o Tottenham, a Lazio, em Itália, e o Rangers, na Escócia, mas foi a representar a seleção inglesa que viveu os momentos mais icónicos. No Mundial de 1990, em Itália, com apenas 23 anos, encantou o mundo com o seu futebol corajoso e imprevisível. Na meia-final, diante da Alemanha Ocidental, as imagens das lágrimas a escorrer-lhe pelo rosto após ver um cartão amarelo que o afastaria de uma eventual final correram o mundo. Gary Lineker, que estava em campo, virou-se para o banco e gritou na direção dos companheiros e da equipa técnica: «Olhem para o Gazza!» O momento transformou-se em símbolo de paixão crua e desinteressada pelo jogo. O próprio Gascoigne mais tarde confessaria: «Naquele momento, percebi que não ia jogar a final se ganhássemos. Senti tudo a desabar. Foi instintivo.»
No Euro 96, jogado em casa, Gascoigne voltou a escrever uma página memorável com o golo frente à Escócia. Fez a bola passar por cima do defesa Colin Hendry com o pé esquerdo e finalizou com o direito, antes de correr para a linha lateral e deitar-se de costas no relvado enquanto colegas lhe despejavam as garrafas de água na boca, recriação da infame cadeira de dentista. «Era só uma brincadeira, mas toda a gente achou que tínhamos perdido a cabeça. Depois daquele golo, tudo mudou», disse.
A celebração é referência a uma noite bem regada durante uma digressão da seleção antes do torneio. No leste da Ásia, Gazza e outros jogadores foram amarrados a uma cadeira e despejadas bebidas alcóolicas sobre as suas bocas até que não aguentassem mais. «Nove de nós fizeram a Cadeira do Dentista em Hong Kong, mas, obviamente, sendo a pessoa que sou, fui eu quem arcou com as culpas», explicou Gascoigne mais tarde à Pitch TV, antes de continuar: «No segundo jogo, diante da Escócia, disse simplesmente a todos: ‘Malta, quem marcar faz a Cadeira do Dentista’ e, felizmente para mim, fui eu. Os caras estavam por dentro e foi bom. É uma pena que estivesse bebida enérgica naquelas garrafas e não gin… Brincadeira!»
Entre os jogos, Gazza era igualmente exuberante. Durante a sua estadia no Rangers, decidiu esconder duas trutas no carro do colega Gordon Durie, criando um cheiro insuportável que levou dias a ser descoberto. Com a ajuda de Ally McCoist, grande avançado desse tempo, deixou uma no compartimento do pneu sobressalente e outra numa cavidade nos bancos traseiros.
Noutra ocasião, disparou «só por diversão» uma espingarda de ar comprimido contra o traseiro do inseparável amigo Jimmy Five Bellies Gardner: «Apostou comigo e perdeu. Tinha de pagar!»
Já no Everton, em 2002, quando David Ginola se juntou à equipa, Gascoigne apareceu no treino com uma peruca loira, imitando o cabelo do francês. «Sabíamos que ele ia fazer algo. Quando apareceu com aquela peruca, o balneário desatou a rir», contou um antigo companheiro. Anos antes, no Tottenham, chegou a um treino antes da final da Taça de Inglaterra com uma peruca azul ridícula. «Só queria aliviar a pressão. Ninguém se ria, então vesti aquela coisa», explicou numa entrevista à BBC. Numa outra ocasião apareceu com uma avestruz. Era imparável.
Apesar da alegria contagiante, Gascoigne lutou com problemas de saúde mental, alcoolismo e episódios de depressão profunda, e tentativas de suicídio. Em entrevistas e autobiografias como Gazza: My Story revelou o lado sombrio da fama: «O futebol salvou-me muitas vezes, mas também me magoou. Às vezes, ria para esconder o que estava a sentir por dentro.»
Admitiu ter sido violento com a ex-esposa Sheryl e o alcoolismo e o abuso de substâncias levaram a múltiplos episódios de internamento ao abrigo da Lei de Saúde Mental. «Tinha dias em que bebia até desmaiar. Era a única forma de silenciar os pensamentos na minha cabeça.» Em 2010, foi preso por dirigir embriagado e, posteriormente, por posse de cocaína. Em 2013, surgiu desidratado numa conferência nos EUA, o que motivou nova onda de solidariedade pública. Dois anos depois, agrediu o seu próprio segurança e, em 2018, foi preso por assédio sexual a uma mulher num comboio, embora depois não tenha sido condenado.
O documentário da BBC Gazza traça esse retrato em tons sombrios, mostrando como o cerco da imprensa e os demónios internos moldaram um homem que nunca deixou de ser, no fundo, um rapaz que queria apenas jogar à bola. E jogava como poucos. «Quando ele tocava na bola, sabias que algo mágico podia acontecer», recordou Alan Shearer.
Paul Gascoigne nunca venceu um grande torneio internacional. Mas conquistou algo talvez mais raro: a capacidade de emocionar, fazer rir e inspirar com um só toque. Foi um jogador que jogava como vivia, com coração, instinto e uma pitada de loucura. «Gazza não foi perfeito, mas foi absolutamente único!», atirou Lineker.
Apesar de vários esforços para a recuperação, com o apoio de antigos colegas, ex-clubes e até do próprio príncipe William, porque não há quem não goste de Gazza, as recaídas foram constantes. Mais recentemente, tem vivido períodos de sobriedade, embora continue vulnerável. O futebol, esse, nunca o esquecerá.